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A leveza e a melancolia do cotidiano em "Fim de Verão" (2004)

Histórias simples e sensíveis, mas sem muito que se destaquem. Apelo para leitura está em acompanhar a evolução da arte e escrita de Mohiro Kitoh


Mohiro Kitoh é um autor peculiar. Apesar de não ser particularmente famoso, suas histórias pessimistas e psicologicamente devastadoras deram-no um status cult. No entanto, ele nunca tinha sido publicado no Brasil… Até 2015. Porém, de uma forma bastante inesperada.


Sua estreia nacional foi com Fim de Verão, coletânea de histórias curtas que abrangem cerca de 17 anos de sua carreira. A organização dos capítulos, inclusive, se dá em ordem cronológica, evidenciando a evolução do estilo do autor. A responsável pela publicação do volume foi a L&PM Pocket, mas conhecida pelos livros de bolso de clássicos literários que por mangás.
Ou seja, temos um dos trabalhos menos conhecidos de um autor não muito famoso sendo lançado por uma editora sem tradição com essa mídia. De início, não consegui não questionar de onde veio essa ideia e qual foi de fato o êxito comercial dessa publicação.


Mas se a editora julga viável, quem sou eu para questionar, né?
Falando do mangá em si, acompanhamos uma série de histórias independentes sobre temas humanos. Amor, abuso, morte, vida… Em algumas há elementos fantasiosos, outras não. Algumas possuem uma carga cômica, outras são mais pesadas (ainda que muito longe da brutalidade de Narutaru, outro mangá de Kitoh).

Ou seja, é uma coletânea muito ampla e vaga. Não há um direcionamento claro nem um cerne forte entre os capítulos. Isso não significa que lhe falte coesão, mas mostra como é difícil indicar para alguém por não ter um tema claro. O principal atrativo do mangá é a autoria de Kitoh, o que deve ser respondido por indiferença por parte significativa do público.
Mas, isso não quer dizer que as histórias não possuam valor. Apesar de sua fama associada à violência, é nos diálogos que o talento de Kitoh realmente está. Ele cria personagens críveis, densos, com diálogos simples, mas instigantes. Com esses contos despretensiosos e curtos, a sutileza ganha espaço para aflorar, sem ser sufocado pelas tragédias A Garota do Cruzamento e as melancólicas e vagas Um Buquê Para a Mansão das Flores e Pureza Manchada. Mas, as melhores são as que encerram a coletânea: A Canção do Papai e O Lugar do Totó.
A primeira consiste apenas em um diálogo de um casal enquanto dirigem à casa do pai da esposa. Em sua simplicidade, vemos o afeto e maturidade entre eles retratados com uma naturalidade e espontaneidade que poucos mangás exploram. A conversa é banal, mas sugere intimidade e aborda situações de fácil identificação.


O Lugar do Totó fala sobre velhice, memórias e o espaço em que vivemos. Com um território pequeno e em contínua modernização, o Japão viu e vê muita demolição e (re)construção. No entanto, apesar dos benefícios, parte de quem andou e viveu naquelas ruas e casas se perde nesse processo. São mais que concreto, madeira e pedras - a cidade é onde deixamos marcas que continuam após nossa morte. Para andar para frente, é preciso olhar e respeitar as pegadas antecessoras às nossas.
Falando sobre a edição da L&PM Pocket, sendo uma editora de livros de bolso, não surpreende as medidas pequenas do mangá. Ele é leve e fácil de ser carregado, se encaixando na proposta da empresa. No entanto, isso não significa que haja um desleixo em sua produção. O papel é de boa qualidade, branco e com pouca transparência. Pelo menos no que diz respeito aos aspectos físicos, o mangá está no mesmo nível de um livro comum.


No entanto, há um problema que incomoda bastante. Como os capítulos foram publicados em revistas diferentes em anos diferentes, as proporções das páginas não são constantes. Ou seja, enquanto algumas ocupam inteiramente a folha, outras possuem margens muito grandes. Com um volume de dimensões maiores, isso até que poderia não ser um problema. Mas, como a L&PM trabalhou com um formato de bolso, alguns capítulos ficaram com quadros pequenos demais, atrapalhando a visibilidade e desvalorizando a arte do autor.


Fim de Verão não é um mangá ruim. Pelo contrário, apreciadores de histórias descompromissadas sobre o cotidiano vão certamente encontrar um bom material. Fãs de Mohiro Kitoh também devem gostar de ver um lado menos brutal do autor. Mas, fora desses públicos específicos, é difícil encontrar alguém para que eu recomende.

Ficha Técnica

Título: Fim de Verão
Título original: Zansho
Autor: Mohiro Kitoh
ISBN: 978.85.254.3137-0
Formato: 11,5 x 17,5 cm
Páginas: 208
Valor: R$ 21,90
Volumes: Volume Único
Gênero: Drama, Seinen

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