Livros

Resenha: O Ladrão de Raios

Prestes a ganhar adaptação para série, o primeiro livro da série Percy Jackson & os Olimpianos não é perfeito, mas ainda é capaz de atrair leitores

Famosa por ter duas péssimas adaptações para o cinema – Percy Jackson e o Ladrão de Raios (2010) e Percy Jackson e o Mar de Monstros –, a saga que marcou uma geração de leitores está prestes a ganhar uma nova série na plataforma Disney+. Pensando nisso, decidi voltar para o universo criado por Rick Riordan e comecei a releitura dos livros quase dez anos depois de tê-los lido pela primeira vez. Posso afirmar que, após tantas leituras feitas nesse meio tempo, O Ladrão de Raios apresenta alguns problemas, principalmente com a questão do deus ex machina, mas não deixa de ser uma leitura agradável até mesmo para os olhares mais críticos.


Sinopse:

Primeiro volume da saga Percy Jackson & os Olimpianos, O Ladrão de Raios esteve entre os primeiros lugares na lista das séries mais vendidas do The New York Times. O autor conjuga lendas da mitologia grega com aventuras no século XXI. Nelas, os deuses do Olimpo continuam vivos, ainda se apaixonam por mortais e geram filhos metade deuses, metade humanos, como os heróis da Grécia antiga. Marcados pelo destino, eles dificilmente passam da adolescência. Poucos conseguem descobrir sua identidade.
O garoto-problema Percy Jackson é um deles. Tem experiências estranhas em que deuses e monstros mitológicos parecem saltar das páginas dos livros direto para a sua vida. Pior que isso: algumas dessas criaturas estão bastante irritadas. Um artefato precioso foi roubado do Monte Olimpo e Percy é o principal suspeito. Para restaurar a paz, ele e seus amigos – jovens heróis modernos – terão de fazer mais do que capturar o verdadeiro ladrão: precisam elucidar uma traição mais ameaçadora que a fúria dos deuses.

O Ladrão de Raios é narrado em primeira pessoa por Percy Jackson, um garoto que nunca levou uma vida muito normal – ele sempre se envolveu em problemas, o que o fez ser expulso de diversas escolas, e ainda por cima tem dislexia e TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade) –, até que um dia o motivo de tudo isso vem à tona: ele é um semideus, filho de deus grego com uma humana. Agora que completou doze anos, sua vida, como a de qualquer semideus poderoso, corre muito perigo, e ele é obrigado a ir para o Acampamento Meio-Sangue, o único lugar onde estaria seguro. Todavia, o Minotauro ataca o carro onde estão Percy, sua mãe (Sally) e seu sátiro protetor (Grover) pouco antes de chegarem, e em uma escolha arriscada a pedido de Sally, Grover salva Percy, e o garoto vê a mãe se dissolver nas mãos do monstro.

Arrasado pelo luto, Percy tenta se ajustar à sua nova vida no Acampamento até ser acusado pelo próprio Zeus de ter roubado seu raio-mestre e, consequentemente, ser enviado em uma missão para encontrá-lo e devolvê-lo antes do solstício de verão. O garoto, que mal se importava com o assunto, porém, passa a se interessar quando vê que no itinerário estava o submundo de Hades. Assim, junto com Annabeth, uma garota sabichona filha de Atena, e Grover, Percy Jackson embarca em uma aventura para salvar o mundo de uma grande guerra, mas, principalmente, para trazer de volta sua mãe.


Em minhas memórias, O Ladrão de Raios sempre foi o pior livro de Percy Jackson – isso não quer dizer que eu o achava ruim, só era o meu menos preferido –, e foi nessa releitura que minha opinião mudou. O livro não chega nem perto de ser uma obra prima em termos de escrita, construção de personagem e construção de narrativa, mas a forma como Rick Riordan criou esse universo de mitologia grega na atualidade justifica muito facilmente a razão de seu sucesso.

Em se tratando da escrita, nesse primeiro livro, Riordan se mostra um pouco imaturo e utiliza clichês como apresentar a personagem com nome e sobrenome logo na primeira página – a primeira regra do que não fazer em qualquer curso de escrita. Além disso, sua construção de personagens, embora boa, é um pouco engessada. Por exemplo, a filha de Atena é inteligente, estrategista e quer ser arquiteta, isso é tudo o que baseia a personalidade dela; ainda assim, Percy, que é descrito como lerdo, consegue pensar melhor do que ela em algumas cenas, o que não faz o menor sentido.

Já no quesito construção narrativa, o erro do autor foi não ter colocado previamente informações de coisas que seriam necessárias no final, criando, sem querer (querendo), um deus ex machina. E o pior é que algumas explicações não têm muito sentido. Por exemplo, no começo da aventura, Percy, Grover e Annabeth vão para um parque aquático abandonado, e é dito que Annabeth pegou algumas coisas da loja e colocou em sua mochila. No final, ela pega de dentro dessa mochila uma bola para distrair Cérbero, o cão de três cabeças de Hades. Mas… por que ela teria carregado uma bola dentro da mochila esse tempo todo? Em uma missão, eles definitivamente não teriam tempo de brincar.

Apesar disso, a construção de mundo de Riordan em O Ladrão de Raios já é muito boa e, para mim, é o que mais se destaca. Se esse livro é tão grande é porque na primeira metade dele nós entendemos os fundamentos da mitologia que dá base não só a esse livro mas também às continuações. Assim, quem já leu a saga inteira pelo menos uma vez pode perceber dicas de e menções a acontecimentos dos outros livros da série.


Desde o seu lançamento, em 2005, Percy Jackson & os Olimpianos foi alvo de críticas por se parecer com Harry Potter. Quando li pela primeira vez, ainda não tinha lido o primeiro livro da série de J. K. Rowling para opinar, e agora que li os dois, posso afirmar que, sim, há muitas similaridades.

Para começar, um trio de amigos formado por dois garotos (Harry e Rony/Percy e Grover) e uma garota super inteligente (Hermione/Annabeth) se conhecem no único lugar do mundo onde, por serem especiais (bruxos/semideuses e sátiro), estão seguros (Hogwarts/Acampamento Meio-Sangue). Nesse lugar, eles são orientados por um velho sábio (Dumbledore/Quíron) e embarcam numa aventura na qual precisam encontrar uma arma muito poderosa que está desaparecida (pedra filosofal/raio-mestre de Zeus) – tudo bem que em Harry Potter e a Pedra Filosofal o Dumbledore não os enviou para fazer isso, mas ainda assim. No final do livro, eles dão um jeito de passar por um cachorro enorme de três cabeças (Fofo/Cérbero) que impede a passagem dos três amigos pouco antes de alcançar o objetivo, quem conclui a missão é o protagonista, e todos recebem os créditos no final.

Dito isso, é nítida a inspiração de Riordan no livro de Rowling, até porque um escritor sempre bebe de outro e os dois podem até mesmo ter bebido das mesmas fontes. Isso não traz qualquer descrédito para a série de Percy Jackson, até mesmo porque são mitologias majoritariamente distintas e, mesmo que vários elementos sejam similares, os livros são bem diferentes. Alguns gostam de criar intrigas entre qual é melhor, mas acredito que os dois tenham seus pontos fortes e fracos, e, por isso – e por eu gostar das duas séries –, eu não conseguiria dizer se algum é, de fato, melhor.

Em relação à edição da Intrínseca, a tradução de Ricardo Gouveia não ajudou a escrita imatura de Riordan tanto assim. Há, sim, aspectos muito positivos, como os títulos dos capítulos e as descrições ao longo da narrativa, contudo os diálogos no português soam duros demais para serem ditos por crianças de doze anos. Em certa parte do livro, em um diálogo com Grover, Percy diz: “Vá em frente e durma. Acordo você se houver problemas”. Ainda em outro trecho, o que certamente em inglês era um “whatever” – em português, “que seja” ou “tanto faz” – se tornou, na boca de um adolescente, um “seja o que for”, deixando claro que não houve apenas um problema de tradução, mas preparação. Apesar disso, Gouveia soube bem como lidar com literalmente todos os outros aspectos do livro, então não acredito que seria necessária uma nova tradução, apenas uma nova preparação – isso se já não teve, já que minha edição é antiga.


Essa edição de O Ladrão de Raios tem uma ótima diagramação – margens curtas, mas suficientes para a mancha estipulada; tipografia Centaur, agradável aos olhos e a cara da mitologia grega; e  papel de miolo chamois fine dunas 80 g/m², amarelado e de boa qualidade, já que com dez anos de existência ainda não apresentou manchas. A capa foi impressa em cartão supremo alta alvura 250 g/m², também de ótima qualidade, sendo o único problema o desgaste do hot stamping que formava o título, o nome da série e o pingo do “i” do símbolo da editora. Hoje, esse metalizado dourado só existe na lombada, mas ainda assim tem durado bastante tempo. Particularmente, embora as novas capas de Percy Jackson sejam muito mais chamativas para o público jovem, as clássicas têm um espaço no meu coração, mas desde que as outras lançaram, elas se encontram fora de fabricação.

Em suma, Percy Jackson & os Olimpianos é uma série infantojuvenil de aventura que pode agradar às mais diversas idades, uma ótima pedida tanto para leitores iniciantes quanto para os mais experientes. Apesar de suas insuficiências, O Ladrão de Raios tem um lugar especial em meu coração e se provou ainda mais interessante na segunda leitura. Embarque com Percy, Grover e Annabeth em uma aventura pelos Estados Unidos para ficar por dentro de tudo o que vai acontecer na série da Disney+, ainda sem data de lançamento, mas que promete ser a adaptação que os fãs merecem – afinal, tirando a cena do cassino Lótus, não é muito difícil, né?!

Ficha Técnica


Título: O Ladrão de Raios
Título original: The Lightning Thief
Autor: Rick Riordan
Tradução: Ricardo Gouveia
Editora: Intrínseca
Edição: 2ª ed., 2010

Estudante de Letras – Português-Inglês na UFMG, mas mora em São Paulo. Amante de arte independente, mas vê tudo o que é mainstream. Assiste a filmes, séries e animes, mas também lê livros e ouve música o dia todo. Diz que quer ser escritora, mas nunca escreveu uma palavra na vida... Quer dizer, só algumas.


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