Blast from the PastSéries & TV

Blast From The Past: Entre a cabeça do House e o coração do Wilson

Ao meu ver, eis que chegamos ao ápice da série.


Clube de strip. Noite. Perda da noção de tempo. Visíveis sinais de bebedeira prévia. Lembranças súbitas, rápidas e desconexas de um acidente. Ferimento aberto na cabeça. A sensação de alguém estar em risco de morrer. O "cavalheiro" recusa a dança que ele sequer se lembra de ter pagado e sai pela porta da frente. Diante de seus olhos, um ônibus capotado no meio da rua. Em meio a tanto caos em sua mente, Gregory House possui duas certezas: ele estava neste ônibus e, de certa forma, saiu ileso. E que um daqueles passageiros já demonstrava sinais de que corria risco de vida mesmo antes do acidente. A corrida contra o tempo começa;

Busque a verdade...

Por cima, o modus operandi desse episódio é bem semelhante ao season finale da 2ª temporada ao retratar o raciocínio que ocorre dentro da cabeça do House. Porém, ao contrário daquele episódio, em que ele teve que lutar contra as alucinações que seu próprio cérebro criou como mecanismo de defesa devido aos dois tiros, aqui vemos um Gregory perseguindo maneiras de induzir as alucinações para resolver o quebra-cabeça de sua própria memória.

Meditação. Tanque de privação de sentidos. Alucinações enquanto dormia. Overdose de Vicodin para hiper estimulação cerebral através do cheiro das roupas dos acidentados. Overdose de remédios para Alzheimer em um cérebro já fraturado e concutido. Olhando para tudo isso que ele fez, não me admira ele ter uma conversa consciente com um "avatar" de seu subconsciente enquanto sofria uma parada cardiorrespiratória...

Essa foto me representa tão bem que eu acho até ofensivo...

No final de tudo, isso valeu a pena? Bem, sim e não. A equipe conseguiu salvar um paciente, mas não o paciente que House estava procurando. E, quando essa pessoa misteriosa se revelou, eu fiquei boquiaberto por mais tempo que eu gostaria de admitir. E olha que eu já sabia quem era ela. ainda tinha a segunda parte...

...sofra as consequências...

Descobrimos que a pessoa que House estava "diagnosticando" antes da batida era nada mais, nada menos, que a Amber, a própria namorada do Wilson, aquela que House quase contratou para sua nova equipe... mas isso não era suficiente para nenhum dos dois. Eles queriam a imagem completa. James queria saber o que Amber estava fazendo naquele ônibus. Greg queria descobrir e tratar a verdadeira doença, aquela que se escondia além dos danos causados pelo acidente, aquela que realmente estava pondo a vida dela em risco. 

Como se já não tivesse toda as coisas de tudo que passou no episódio anterior, House ainda submeteu-se a uma cirurgia para hiper estimular suas memórias através de uma corrente elétrica. É fácil de notar a ordem de prioridades do doutor e os riscos de vida que ele estava correndo. 


A montagem intercalando Greg viajando por suas memórias e os comentários de James enquanto observa o procedimento cria uma sequência ímpar que permite ao roteiro e direção, lentamente, passar o protagonismo do restante do episódio para o Robert Sean Leonard, deixando que o ator explorasse todas as nuances emocionais do Wilson: a curiosidade, a incredulidade, a esperança e a imensurável tristeza quando a verdade veio à tona:

O acidente danificou os rins, impossibilitando o organismo de filtrar a amantadina que estava nos remédios para gripe que ela estava tomando. As 24 horas em que permaneceu inconsciente foram suficientes para a substância se espalhar pelo corpo, praticamente envenenando-a. O ataque que seu já fragilizado coração sofreu a caminho do hospital foi sua condenação. A diálise não adiantaria mais. O dano nos outros órgãos a impede de ser incluída na lista de transplantes. Assim que tirassem a Amber do bypass, ela morreria. Não há como salvá-la. Nunca houve.

A única coisa que poderia ser feita era acordá-la... para que partilhassem de um último momento.

...e diga o quanto você a ama.


De nada adiantaria a capacidade de atuação do intérprete do Wilson se a intérprete da Amber não respondesse à altura. Felizmente, Anne Dudek respondeu prontamente ao chamado e sua composição final como Amber foi certeira. A maneira como a direção utiliza de microexpressões faciais para expor o processo mental que está ocorrendo na cabeça da Amber enquanto ela própria torna-se consciente da grave situação em que se encontra, não só atesta a grandiosa capacidade de atuação de Dudek, mas também expressa a inteligência de sua personagem.

E foi da química natural que surgiu entre Robert e Anne ao longo da segunda metade da temporada, junto a uma equipe de roteiristas competentes, e um diretor que soube aproveitar ao máximo os excelentes atores que possuía, que surgiu o bloco de cenas acima, um dos mais belos, simplórios e carregados do show inteiro. A quantidade de vezes que eu já reassisti esse vídeo é descomunal.

Ponto de não-retorno?


Um mês atrás, eu escrevi este texto com minhas primeiras impressões a respeito de Dr. House e como David Shore e companhia conseguiram criar um personagem tão moralmente ambíguo e absurdo que chega a ser fascinante ao mesmo tempo que criaram um ambiente crível para sua permanência e o cercaram com personagens tão integrais ao conjunto da série como o próprio. No dia em que comecei a escrever este texto, eu tinha acabado de terminar a 4ª temporada.

Eu poderia muito bem falar sobre a competência de toda a produção que, mesmo no meio da greve dos roteiristas de 2008, e uma quantidade menor de episódios para este ano, conseguiram se reinventar no momento em que o formato antigo começou a mostrar seus primeiros sinais de cansaço. Ou poderia listar quais os episódios que considero os mais impactantes e importantes desta primeira metade da série, mas eu só queria falar sobre essa dupla de capítulos. Dessa dupla de personagens.

E a única pergunta que me resta neste momento é: Tem algum jeito dessa amizade sobreviver? Muitos poderiam encarar tudo isso como uma simples, porém trágica, coincidência de ações. E talvez o próprio Wilson, no fundo, saiba disso. Mas a dor só o faz enxergar que que seu melhor amigo foi o culpado pela morte do amor de sua vida. E o House sabe muito bem disso:
[H] O Wilson vai me odiar.
[A] Você meio que merece isso.
[H] Ele é meu melhor amigo.
[A] Eu sei. Mas e agora?
[H] Vou ficar aqui com você.
[A] Desça do ônibus.
[H] Não consigo.
[A] Por que não?
[H] Porque... aqui não dói. Eu não quero sentir dor, eu não quero me sentir miserável... Eu não quero que ele me odeie.
[A] Bem... Nem sempre você consegue o que deseja...

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