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Blast from the Past: Doctor Who - 3x10 - Blink

"Não olhe para trás, não desvie os olhos e não pisque. Jamais. Boa sorte."

3x10 Blink - Doctor Who Image (20009093) - Fanpop

 
Piscar. Um ato tão natural e tão involuntário do ser humano. Tirando as vezes em que piscamos intencionalmente, nós piscamos, em média, 20 vezes por minuto. Às vezes nos desafiamos a ficar o máximo de tempo possível sem dar esse refresco aos olhos, seja por curiosidade, desafio entre amigos e conhecidos, entre outros motivos. Mas e se o simples ato de não piscar fosse a diferença para sobreviver? E se os milissegundos entre esse rápido abrir e fechado de olhos fosse sua condenação completa? 
 
Essa é a ideia por trás de Blink ("Pisque"), um dos mais icônicos episódios da fase moderna de Doctor Who que, ironicamente, é ainda mais icônico porque o personagem-título quase não aparece aqui.

Introdução

Conheça Sally Sparow, uma fotógrafa que gosta de invadir propriedades abandonadas. Um dia, em uma de suas invasões, Sally encontra duas coisas interessantes: uma estátua de um anjo chorando, cobrindo seu rosto, e uma mensagem escrita por trás do papel de parede escrita por um "Doutor" em 1985 direcionada a ela pedindo para temer a estátua e se abaixar, algo que ela faz e acaba salvando sua vida.

A partir desse encontro, uma série de eventos ocorrem ao seu redor: no momento que sua melhor amiga Kathy desaparece na casa, ela descobre, através de um homem que apareceu na propriedade abandonada afirmando ser o neto de Kathy, Sally descobre que, de algum jeito, ela foi parar em 1920.

Depois, ao procurar o irmão de Kathy, Larry, Sally percebe um homem em um monitor que parece estar conversando com ela, respondendo a tudo que ela fala, o que não faz sentido pois aquilo é uma reprodução de DVD. E o que deixa a situação ainda mais estranha é que Larry encontrou esse mesmo vídeo em 17 DVDs diferentes sem nenhuma conexão entre si. Nem os fabricantes dos discos sabiam desse vídeo.

Por fim, quando resolve procurar a polícia, não só ela descobriu uma garagem com carros de pessoas que também desapareceram no mesmo local, como, sem saber, provoca uma nova vítima ao fazer com que o policial que estava com ela ser transportado para o ano de 1985. Somente quando ela encontrou aquele mesmo homem, antes jovem e cheio de vida, agora idoso e à beira da morte, ela tomou real noção do perigo que a cerca.

Clímax

Não é a primeira vez que o plot principal de um episódio da série moderna de Doctor Who é protagonizado por atores convidados ao invés dos personagens principais, mas é uma das primeiras vezes em que, no momento do climax, no ápice do confronto, o Doutor não está lá para salvar o dia no final. Ele está longe. Preso em uma outra época. Somente Sally e Larry podem salvar a si mesmos.

Em um nível básico, o conceito por trás dos Anjos é simples: uma ameaça invisível que se materializa e mantém-se imóvel enquanto alguém estiver o encarando. Mas a execução do confronto, o ambiente apertado com saídas bloqueadas, uma quantidade de inimigos maior (4 a 2) espalhada por diferentes locais e ângulos da casa abandonada que aumenta a imprevisibilidade de ataque, a luta para resistir a um instinto humano natural e involuntário de piscar, desviar o olhar, fazer qualquer coisa que não envolve encarar frente a frente aquilo que te assusta, a influência dos Anjos no sistema de luzes da casa...

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Esses fatores aliados à atuação, a trilha sonora, a direção e a edição do episódio faz com que essa sequência, ainda que relativamente curta, seja agoniante, não por causa da ação, mas justamente pela falta dela. Acostumados com a pressa, o espectador se torna refém de um ritmo lento que se torna mais angustiante e temeroso pelo destino deles.

Além disso, ao reassistir a cena no canal oficial do YouTube de Doctor Who, um comentário me chamou a atenção que faz muito sentido e que funciona como uma quebra de quarta parede: enquanto Sally e Larry estão tentando abrir a TARDIS para se abrigar, os Anjos poderiam se movimentar livremente e eles poderiam atacado o jovem casal mas, ainda assim, eles só se movimentam durante as falhas das luzes.

Em teoria, isso não deveria acontecer. Afinal, ninguém está observando eles.
Mas, na verdade, quando a câmera enquadra as estátuas, o espectador passa a ser aquele que os observa. O que, provavelmente, foi uma jogada para ajudar a reduzir custos, acabou sendo poético, não só mantendo o misticismo por trás dos Anjos, mas para trazer o público ainda mais adentro da atmosfera do episódio. No final, Sally e Larry foram salvos e nós tivemos participação nisso.

Futuro não tão futuro assim

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Após um ano dos acontecimentos, a vida parece estar mais calma para Larry e Sally, mas uma questão ainda incomoda a garota: se o Doutor só gravou o DVD que salvara sua vida por causa da transcrição que está em sua posse, como ela vai entregar isso para o alienígena? E a solução para isso abre dois pontos muito interessantes que revelam a capacidade de Steven Moffatt como roteirista.

Primeiro, a não linearidade da história. Ao acompanhar a trama do episódio pelo ponto de vista da Sally, e as pequenas inserções do Doutor e da Martha no episódio, ficamos com a impressão de que o Doutor também está tentando solucionar a ameaça dos Anjos Lamentadores do outro lado. Por isso que a revelação de que, embora os eventos já tenham acontecido no passado de Sally, eles ainda não aconteceram para a dupla viajante do tempo, funciona tão bem.

E depois, o paradoxo de Bootstrap: a transcrição da conversa que Sally entregou para o Doutor para ele gravar o DVD que salvaria sua vida no ano anterior só existe por causa do DVD, que só existe por causa da transcrição. É impossível determinar o ponto de origem da transcrição. É como se ela sempre tivesse existido. Essa revelação não só faz todo o sentido, como se encaixa de maneira muito sublime, não só no episódio, como na temática da série em si.

A cara de quem não faz ideia do que ela está falando porque
os eventos desse episódio ainda não ocorreram para ele.

Em uma entrevista na época, o próprio Moffatt admite que não acreditava muito no episódio, já que foi uma das escritas mais "rápidas e cruas" de sua carreira, no sentido de que, dos rascunhos iniciais para o roteiro finalizado e o início do processo de filmagem em 10 dias. E foi considerado um dos melhores episódios da franquia em uma pesquisa realizada pela Doctor Who Magazine de 2008.

Talvez agora eu tenha um pequeno trauma por estátuas, mas é um preço a se pagar. Blink é um excelente episódio. E funciona muito bem, tanto como filler, como dentro da narrativa. E talvez seja um ótimo ponto de partida para ter uma noção do que faz Doctor Who ser uma das mais franquias mais influentes da indústria e ainda está na ativa, mesmo após 60 anos.

E essa não seria a última vez que veríamos os anjos, mas isso já fica para outro dia com outro Doutor...


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