Livros

Livro: Minha vó tinha um caldeirão - literatura entre afetos e mesa posta

Minha vó tinha um caldeirão, livro da jornalista Cássia Miguel Baldauf, reúne crônicas e receitas onde memória, identidade e cuidado se misturam


Há livros para serem devorados com pressa. Outros pedem silêncio para serem saboreados. 'Minha vó tinha um caldeirão', novo livro da jornalista e escritora Cássia Miguel Baldauf, lançado recentemente pela Editora Livros de Família, pertence ao segundo grupo. Ele não se apressa — convida. Convida a sentar à mesa, a lembrar de como o afeto, muitas vezes, se manifesta em forma de comida simples, feita sem medida exata.


Logo nas primeiras páginas, o leitor entende que não está diante apenas de um livro de receitas, nem apenas de um livro de crônicas. Trata-se de um espaço de encontro. Um território íntimo que dialoga com memória, cotidiano e cozinha.

A cozinha como lugar de afeto e identidade

Entre o cheiro de alho dourando na panela e o som do café coando, Cássia transforma cenas aparentemente banais em pequenas epifanias do dia a dia. A abobrinha batidinha sem requinte, o bolinho bobo preparado em tardes chuvosas, o lagarto roubado da mesa pela cadela da família, a sexta-feira sem brinde e sem o marido em casa — tudo vira história. E, em cada história, há sempre uma receita, como se cozinhar fosse também uma forma de narrar.

O livro nasceu do blog 'Cozinha que é bom', criado em 2017, e agora ganha corpo, peso e textura de livro. Um livro para ser folheado sem ansiedade, lido aos poucos, talvez com uma xícara de café ao lado. "Um livro que te envolve como um abraço", define a autora.

Memórias que atravessam gerações

Mineira de Guaranésia, radicada em São Paulo, Cássia carrega no texto as marcas da cozinha onde cresceu: a mesa farta comandada pela mãe, dona Floripes, e a presença quase mítica da vó Noemia — a dona do caldeirão que dá nome ao livro. Uma mulher de coque no cabelo, casa cheia de gatos e panela sempre no fogo.

Ao revisitar essas memórias, a autora não constrói um passado idealizado. Pelo contrário: há imperfeição, improviso, falhas e risos. As receitas são simples, reais, possíveis. E talvez seja justamente aí que mora a potência do livro — na recusa da performance e na valorização do que é vivido de verdade.

Comer também é atravessar o tempo

Em capítulos como 'Quarentena', o livro se abre para memórias mais recentes e coletivas. O período de isolamento social aparece como um tempo duro, mas também como um espaço de reinvenção do cuidado. Cozinhar, nesses dias, era gesto de sobrevivência emocional, tentativa de aquecer o corpo e a alma.

As histórias atravessam família, viagens, perdas, encontros e desencontros, sempre temperadas por generosidade. "O principal tempero de cada história deste livro de crônicas culinárias que partilha memórias e afetos é a generosidade", escreve a jornalista Suzana Camargo, que assina o texto de introdução.

Um livro para ficar por perto

Com ilustrações de Julia Jabur, projeto gráfico de Paula Carvalho e coordenação editorial de André Viana, 'Minha vó tinha um caldeirão' é um objeto pensado para o convívio. O formato cabe na bolsa, mas também permite que o leitor anote, risque, acrescente variações às receitas. É livro para usar — não para deixar intocado na estante.

Talvez por isso ele dialogue tão bem com quem busca, hoje, mais presença e menos pressa. Em um mundo que valoriza a produtividade até nos momentos de descanso, Cássia propõe o contrário: desacelerar, mexer a panela com calma, lembrar de quem veio antes e reconhecer que, muitas vezes, o cuidado começa nas coisas mais simples.

No fim, 'Minha vó tinha um caldeirão' não ensina apenas a cozinhar. Ensina a olhar para a própria história com mais gentileza — e a entender que memória também alimenta.

Serviço

Livro: Minha vó tinha um caldeirão
Autora: Cássia Miguel Baldauf
Editora: Livros de Família
Páginas: 283
Preço: R$ 60,00

Kika Ernane, Karina no RG, e sou multitasking (agora que aprendi o significado do termo segura). Uma mulher como muitas da minha geração, que ainda não descobriram como aproveitar a liberdade que lutaram tanto para conseguir. Muito menos administrar todas as tecnologias disponíveis. Enfim, estou sempre aprendendo.


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