Séries & TV

Reflexão: Manhãs de Setembro e a crença de que o filho é somente responsabilidade da mãe

Manhãs de Setembro série protagonizada pela cantora Liniker trás a naturalização da mãe solteira, em mais uma história de irresponsabilidade afetiva

Manhãs de Setembro série brasileira protagonizada pela cantora Liniker estreou no catálogo do Prime Video em 25 de junho. A série apresenta a história de Cassandra mulher trans que deixou sua cidade natal para tentar uma vida melhor em São Paulo. Com uma trilha sonora com os clássicos da cantora Vanusa, a narrativa peca ao apresentar uma mulher que ignora sua responsabilidade afetiva ao não aceitar o filho de uma relação de uma noite. Que ela trata como um descuido somente da outra parte, não seu. Pega o fio!!!!

Sinopse

Cassandra, Liniker, é uma mulher trans que trabalha como entregadora de aplicativo e cantora num bar a noite. Seu namorado é casado e tem uma filha. Cassandra está realizando o sonho de ter um cantinho todo seu, quando descobre que tem um filho. Gersinho, Gustavo Coelho, um garoto de 10 anos fruto de uma noite de farra. Além disso, Cassandra é fã da cantora Vanusa, por isso o título da série Manhãs de Setembro que é uma música muito conhecida da intérprete.


Com uma história de luta e perseverança era de se esperar que Cassandra fosse mais empática com relação à história do filho, mas isso não acontece. Pelo contrário, ela se comporta como um homem que considera o filho problema só da mãe, como se não tivesse participado da concepção da criança. Ainda, que a escolha de levar a gravidez até o fim e criar o filho sem a participação do progenitor seja toda de Leide, Karine Teles. Gersinho tem o direito de conhecer o pai e iniciar uma relação com a outra parte de seus genes.

Gersinho mora nas ruas com a mãe, que perdeu o emprego e precisou viver no próprio carro com seu filho. O garoto tinha o sonho de conhecer o pai. Acontece que, quando isso se concretizou não foi o que o menino esperava, já que ele esperava que o pai mudasse sua situação. No entanto, o pai trata o garoto como um problema que não é dele. Sendo cruel em diversas oportunidades. Como se o menino estivesse ali para atrapalhar seu sonho de ter um cantinho todo seu.

A narrativa colabora com um problema social que precisa ser combatido

Muitas atitudes de Cassandra são semelhantes à de homens que não assumem os filhos que têm, como mulher trans eu esperava mais empatia. Não estamos falando de demonstração de afeto, afinal o garoto acabou de chegar na sua vida e amor é uma construção que se faz com a convivência. Mas, as coisas que ela diz ao garoto beiram a maldade. Tanto que seus amigos, que não têm nenhum parentesco com Gersinho, acolhem o menino e sua mãe. Demonstrando que ainda existem pessoas capazes de ajudar. No entanto, adivinha?? São homens gays padrões, mais um estereotipo típico das produções audiovisuais que contam a história de pessoas negras, o branco salvador.

Quando falo que Cassandra se comportar como um homem que não abraça seu papel de pai, se torna mais problemático pelo fato dela ser uma mulher trans negra. Sendo mais uma representação do estereótipo audiovisual de que homens negros não são bons exemplos de paternidade. Corroborando com essa imagem temos os dados que mostram que mais de 60% das mães solteiras são negras. Dito isso, essa abordagem da série se torna um desserviço. 

No Brasil existem 11,5 milhões de mães solo, que não podem contar com o auxílio do pai na criação dos filhos, dessas 61% são mulheres negras. Sendo a parcela mais vulnerável da população brasileira e a mais impactada pela pandemia de COVID-19. Além disso, 57% das mães solos vivem abaixo da linha da pobreza.

Em nenhum momento dessa relação de irresponsabilidade afetiva Cassandra consegue se colocar no lugar do filho, e pensar como esse desprezo pode impactar o futuro de alguém que já está ferido. Já que estamos falando de uma pessoa que apostou todas as suas fichas em uma possível mudança de vida proporcionada por outra que deveria garantir sua segurança. Sim, Cassandra tem responsabilidades, afinal ao transar sem camisinha ela assumiu o risco. Agora tá fazendo a louca!

Nada diferente dos caras que pagam R$100,00 de pensão e reclamam nas redes sociais que sustentam os luxos da mãe do filho. Ou ficam esbravejando que não queriam a criança, logo não é problema deles. Em diversos momentos da série Cassandra fala para o filho que ele não é problema dela, que não vai abrir mão de tudo que conquistou por causa dele. Gente, a culpa lá é da criança de ser filho dela???

Mulheres não deveriam cuidar dos filhos sozinhas

Ocorre que, já naturalizados pais que não assumem a paternidade ou os que se separam e esquece a família anterior. Deixando nas costas da mulher a responsabilidade de criar os filhos. Quando é uma mulher que faz isso, a coisa muda de figura. São tantos ataques que a gente esquece que responsabilidade afetiva é para todos. Precisamos entender que nem toda mulher sonha em ter filhos, e que fazer merda é típico do ser humano. Não característica patenteada pelo sexo masculino, coisa de homem ou da natureza masculina.

Cassandra é uma mulher e deveria entender a problemática de criar um filho sozinha, de não ter um pai presente e, mais importante, como é difícil ser desprezado porque quem deveria te proteger, a família. 

Além do mais, como uma pessoa que enfrentou muitos desafios, somente por existir, deveria, pelo menos, ser mais amigável com uma criança pedindo socorro. Pois, a chegada de Gersinho na vida dela foi um pedido de socorro. Como muitos que tomamos conhecimento que acontecem no Conselho Tutelar, que devolve a criança para os agressores e depois aparecem nos jornais mais sanguinários das redes de TV que são a favor da família brasileira. Hipocrisia tá sobrando no país.

Eu juro que tentei entender a motivação de Cassandra para desprezar o filho, mas a série falha, miseravelmente, ao apresentar esse motivo. Porque o sonho de morar sozinha não é o suficiente para deixar uma criança na rua, principalmente, se ela é responsabilidade sua. Dado que a mãe não estava dando conta sozinha.

O desfecho também é rápido, além de ser uma solução fácil para os conflitos que não se desenvolvem. Os personagens ficam muito na superficialidade, não são aprofundados. Vou parar por aqui se não o processo é certo!!!!! Hahahaha


Kika Ernane, Karina no RG, e sou multitasking (agora que aprendi o significado do termo segura). Uma mulher como muitas da minha geração, que ainda não descobriram como aproveitar a liberdade que lutaram tanto para conseguir. Muito menos administrar todas as tecnologias disponíveis. Enfim, estou sempre aprendendo.


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