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Crítica: O final de Jornadas Pokémon

Ao tentar se diferenciar das demais, temporada acaba se tornando uma "colcha de retalhos" que não desenvolve propriamente suas ideias.


16 de Dezembro de 2022. O dia em que Jornadas Pokémon foi oficialmente encerrada. Foram 3 anos de produção, 138 episódios regulares, 5 episódios especiais, retornos de muitos personagens há bastante tempo sumidos, várias viagens mundo afora, um campeonato mundial, uma busca pelo Pokémon predecessor de todos e uma pesquisa a respeito do Eevee e sua evoluções. Agora com os trabalhos definitivamente feitos, é chegado o momento para ver o que deu certo (ou não) na saga final de Ash Ketchum como protagonista.

Explorando o mundo, mas não tanto assim

Em suma, toda saga do anime Pokémon tem como objetivo principal construir uma história adaptando os principais elementos narrativos dos jogos que dão título à temporada ao mesmo tempo que serve como material de divulgação do jogo em si, sempre dando destaque ao novo elenco de personagens, criaturas, mecânicas e outras novidades. 

Tomando isso como base, Jornadas é a exceção a tal abordagem. Ela quer colocar o aspecto comercial do anime um pouco de lado. Ela quer celebrar a história, o legado, as diversas jornadas e experiências de seu protagonista e dos amigos que ele fez ao longo do caminho. A execução, entretanto, acaba deixando a desejar

pacing da série como um todo é estranho. Para uma temporada com a intenção de viajar o mundo, a quantidade média de episódios por região ficou muito desigual, já que a grande maioria se passou em Kanto. Entretanto, a principal vítima dessa má distribuição acabou sendo Galar


Se dependesse só do anime, a região quase não teria uma personalidade própria e estaria mais associada ao Campeonato Mundial e a um pequeno arco de 4 episódios que adaptaram a história principal da 8ª geração de jogos Pokémon. Isso mesmo, só 4. Até mesmo os 4 episódios que Alola e seu elenco receberam durante Jornadas inteira me conseguiram ser bem mais memoráveis do que a maioria dos episódios de Galar que não envolviam o Mundial.

Twilight Wings, uma série de 8 curtas de 6 minutos disponível no YouTube, fez mais por Galar, seus Pokémon e seus personagens do que o próprio anime. É uma consequência já esperada da mudança de dinâmica da temporada, mas acredito que a região e seu elenco poderiam ter sido bem melhor explorados do que foram. 

O último experimento de protagonistas

Lembram  de quando o Goh parecia capturar uns 10 Pokémon por episódio? 

Esse mesmo problema de distribuição de tempo de tela também se reflete nos personagens. Para o que, em teoria, era para ser uma dupla de protagonistas, às vezes parecia que o Ash havia sido rebaixado para secundário com o intuito de favorecer o Goh, especialmente durante o primeiro ano de Jornadas. Mas isso causou um efeito contrário ao esperado pela produção, que teve de, basicamente, retrabalhar o personagem quase que por inteiro, mudando rápida e acentuadamente seu temperamento, objetivos e personalidade na segunda metade da saga.

Entretanto, tais "correções" podem não mudar a opinião daqueles com um posicionamento mais firme a respeito dele. Além disso, os arcos narrativos que envolvem o Goh são encerrados de maneira abrupta, desconexa, como se faltasse mais tempo para que as circunstâncias fossem mais favoráveis para isso.

E os roteiristas ainda tentaram introduzir uma espécie de conflito entre Ash e Goh a respeito da amizade entre eles. Não só essa discussão não faz tanto sentido se considerar os mais de 100 episódios em que os dois viajaram e partilharam experiências juntos, como também pode ser vista como algo abrupto por parte do Goh porque reacende uma espécie de dependência emocional que nunca foi devidamente explorado pela produção após o primeiro ano da saga.

Eevee e sua parceira Ch... não, pera.

O ponto de partida de Chloe foi deveras interessante, já que ela tinha uma quase total apatia a toda e qualquer coisa relacionada aos Pokémon mesmo sendo filha de um Professor, mas o potencial dessa história foi completamente desperdiçado por causa da irregularidade de suas aparições na temporada e do tratamento a nível secundária/recorrente que recebe do roteiro. Não há razões sólidas o suficiente para o espectador realmente se interessar por ela.

Além disso, a partir do momento em que a personagem recebeu um Eevee como parceiro, ela praticamente passou a servir apenas para uma propaganda ambulante do Pokémon e suas evoluções. E o plot que move isso é que tal Eevee foi dita como geneticamente modificada, indecisa, até certo ponto, sobre qual percurso seguir. E nem isso foi totalmente resolvido. Fica uma situação semelhante à conclusão do Goh, onde o destino da personagem contradiz o caminho percorrido para tal.


Quanto ao Ash, a produção tentou evoluir sua personalidade e expressividade vindas da era Sol e Lua e aplicar uma camada de experiência ao personagem, fazendo com que ele aja como um garoto de 10 anos, mas que demonstre certo grau de conhecimento e compreensão em batalhas e laços entre humanos e Pokémon. 

Resultados disso foram variados, entretanto, já que são muito comuns os episódios em que o próprio roteiro tratava o menino Ketchum como um saco de pancada que pensa em Pokémon e batalhas 24 horas por dia. Aí eu não consigo defender. Não há muito mais a ser comentado sobre nosso protagonista que já não tenha sido comentado anteriormente, fora os 11 episódios que ainda restam serem exibidos.

Um pouquinho de saudosismo

As participações especiais de antigos companheiros de viagem do Ash cumprem bem o papel que lhes foi dado na temporada, dentro da medida do possível. Acredito que o potencial de alguns dos retornos não foi completamente utilizado e mereciam mais do que apenas um episódio, vide Paul e Serena, ou até mesmo menos que isso, mas, ainda assim, alguns foram tão bem executados dentro da proposta que os personagens ainda voltaram para outros capítulos.

A meu ver, as melhores participações foram de Gary, Iris, o elenco inteiro de Alola, Korrina, Brock e Dawn, nessa ordem específica. Gary, Iris e Korrina tiveram participação importante nos arcos narrativos de Ash e Goh. Os roteiristas ainda conseguem escrever o elenco principal de Alola com um sentimento familiar e aconchegante e, embora Brock e Dawn foram mais situacionais, e sem grandes mudanças, mas, ainda assim, foram muito bem-vindas.


De certa forma, o mesmo pode ser dito a respeito dos Pokémon escolhidos para compor o time do Ash nessa temporada. Como a produção não estava mais "presa" apenas às criaturas de Galar, havia uma oportunidade que o treinador utilizaria seus antigos parceiros em batalha. Mas eles decidiram ir por outro caminho e deram ao menino Ketchum um time de regiões mistas.

Embora episódios específicos contaram com a presença de alguns favoritos dos fãs, como Greninja e Infernape, estes eram sinais de que havia grandes chances de não ocorrer o tão requisitado revezamento de times. E estes sinais ficaram bem óbvios conforme Ash avançava na competição, especialmente quando o episódio anterior ao início do Torneio dos Mestres foi uma última visita ao laboratório do Professor Carvalho para uma última sessão de treinamento do time atual com os antigos parceiros

O fator C-19 

A esse ponto, você deve estar com a impressão de que eu odiei Jornadas Pokémon. Não é verdade. De longe, não é a melhor temporada do anime, mas temos de ser francos: nenhuma outra saga de Pokémon sofreu com uma pandemia a nível mundial que praticamente parou o mundo por quase 3 anos que levou a longos e numerosos hiatos, recapitulações desnecessárias, uma equipe de produção reduzida e vários episódios terceirizados para serem completos por estúdios na China.

Até certo ponto, o que temos aqui não é a temporada que tinha sido planejada para ser produzida. Isso é óbvio ao notar os diversos furos de roteiro e os finais abruptos de alguns arcos e as aberturas do anime no Japão, que indicaram coisas que, no fim, nunca aconteceram. Uma delas até mesmo mostrava Ash, Goh, Chloe e Leon em um jipe personalizado de Charizard no que parecia ser uma jornada por Galar. Isso teria sido algo bem interessante de se ver. 

Teaser do possível envolvimento do Regigigas no Projeto Mew.
Mais uma coisa que nunca aconteceu e só ficou por isso mesmo.

Veredito

Tentou ser abrangente para novatos e veteranos, mas só obteve um sucesso variado em ambas as frentes. Tentou introduzir um segundo protagonista, mas ele foi rejeitado quase que imediatamente.  Tentou replicar a dinâmica de Ash e Dawn com o Goh, mas acabou com que nenhum dos dois meninos tivesse o destaque necessário. Tentou contar uma história diferente com sua companhia feminina, mudou seus planos no meio do percurso e acabou em lugar nenhum. Tentou ser uma temporada comemorativa, não abraçou completamente a proposta e ainda teve o azar de sofrer os efeitos de uma crise sanitária mundial. 

Se atentando a isso, Jornadas Pokémon é uma temporada abaixo da média em quase todos os sentidos, que tentou ser tudo e para todos e não foi tão bem sucedida nisso. E, ainda assim, ela foi cercada de pontuais pontos altos que compensaram alguns dos muitos pontos baixos. E, para mim, sempre será a temporada que me fez voltar definitivamente a ver o anime. 

Então, no final disso tudo, eu escolho ser grato por estar de volta, por ter presenciado a consagração de Ash como Campeão Mundial e por estar animado para ver o que o futuro reservou ao novo anime a partir do dia 14 de Abril de 2023, mas ainda falta ser concluída a minissérie especial de 11 episódios para dar o adeus definitivo (ou um demorado 'até logo') a Ash e Pikachu. 


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