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Crítica: a despedida de Ash e Pikachu como protagonistas de Pokémon

Episódios que dão adeus a Ash e Pikachu foram exibidos no começo do ano no Japão e devem chegar ainda esse ano na Netflix.


Quero ser um Mestre Pokémon. Não só esse foi o sonho que guiou Ash e Pikachu a tantas aventuras ao longo de mais de 25 anos de anime, mas também é a tradução de Mezase Pokémon Master, o nome da música que entoou a primeira abertura japonesa da animação lá em 1997 e também foi o subtítulo dado ao epílogo para a jornada do menino Ketchum no Japão.

Todos os capítulos já foram exibidos na terra do sol nascente ainda em Março de 2023. Infelizmente, os episódios ainda não foram disponibilizados internacionalmente pela Netflix, mas isso não vai me impedir de discutir a respeito dos episódios, porque eu preciso finalizar esse capítulo final da história de Ash e Pikachu antes de começar o primeiro capítulo da história de Liko e Roy em Pokémon Horizontes. Enfim, vamos ao texto.

Simplicidade até demais

Direto ao ponto, o que vemos aqui é um conjunto de episódios de Jornadas Pokémon (sim, são contabilizados como episódios de Jornadas) em que Ash e Pikachu, ao invés de estarem acompanhados por Goh e Chloe, eles estão acompanhados por Misty e Brock enquanto viajam pelo mundo, conhecem e criam novos laços com novos Pokémon. Simples assim. Tão simples que chega a ser genérico. Tão simples que chega a ser parcialmente decepcionante.

Não digo que os episódios foram ruins. Olhando eles individualmente, eles não foram. Aliás, alguns executam muito bem suas ideias e conseguem envolver emocionalmente o espectador... A maioria dos episódios são funcionais e só. O arroz-e-feijão básico que o anime emprega e entrega desde seus primórdios. Entretanto, ao observar o conjunto de episódios como o encerramento de jornada de Ash e Pikachu como protagonistas, algo que a própria Pokémon Company havia dito anteriormente, eles não funcionam.

E já adianto: se eu não falar sobre a Misty e o Brock neste texto, é porque não há muito o que comentar sobre eles. Ainda que seja um prazer ver o trio original viajando novamente, fica a sensação de que a produção não quis ir além nessa decisão e fazer algo de diferente com eles. Eles apenas agem como companheiros de viagem do Ash. Simples assim. 


Em um menor grau, o primeiro fator que me incomodou nesses 11 episódios finais foi como a produção, como se tentasse compensar, de última hora, pela pouca presença dos antigos Pokémon de Ash durante a temporada regular de Jornadas, tentou mostrar quase todos os antigos companheiros de batalha do treinador em grupos de 3 a 4 por episódio, salvo episódios específicos. 

Embora o lado emocional agradece por ver alguns Pokémon uma última vez, como Oshawott e o primeiro time da primeira temporada, ao observar em retrospecto, é válido questionar por que isso não foi feito durante a temporada regular. Havia mais episódios e mais tempo de tela, o que, provável e consequentemente, permitiria explorar as peculiaridades daquele Pokémon e encaixar sua presença mais naturalmente na trama (vide os episódios focados no Infernape e no Greninja).

Do jeito que foi executado aqui, exceto o fator nostálgico, não parece existir justificativa plausível para essa rotação de time episódio a episódio. E nem isso é bem executado porque, desses 3 ou 4 monstrinhos que aparecem em um capítulo, só 1 ou 2 acabam recebendo um tempo de tela significativo.

Um observador alheio


Em um maior grau, o segundo fator que me incomodou foi a "tentativa" de arco narrativo que a produção reservou para estes capítulos finais. E eu enfatizo aqui a palavra tentativa porque, apesar de existir uma história que a produção quis contar (O Pokémon Lendário Latias e a criação de um vínculo com o Ash, indo desde seu resgate e tratamento, passando por uma constante vigia à distância, culminando na operação para resgatar outro Pokémon Lendário, Latios, que viajava junto a ela...), eu tenho meus problemas com esse plot.

Primeiro com a estrutura e o pacing dos eventos. Acabou que, de 11 capítulos, os eventos principais do arco ocorrem em 3 e os demais acabam sendo fillers. Além disso, a produção, de maneira covarde, ainda inseriu a figura da Latias como uma observadora distante dos acontecimentos para dar "continuidade" ao arco, dando esperança de que algo iria acontecer na semana seguinte.

A história que a produção quis contar também foi simples, algo que você esperaria ver em uma temporada regular. Não há erro em optar pela simplicidade, mas também não havia erro em desejar por uma despedida grandiosa, um último grande ato de Ash e Pikachu, algo maior do que a vitória no Campeonato Mundial. 

Por um lado, quando termos como "despedida de protagonista" ou "arco final" são utilizados para divulgação de material, especialmente quando envolvem grandes franquias e personagens de longa data, é natural imaginar os mais diversos cenários, o que pode levar a expectativas irrealistas. Por outro, fica no ar o questionamento do por que a produção também não ir mais além quando se trata de fazer uma história final para os próprios fãs do personagem, aqueles que realmente vão assistir tais episódios.

E, por fim, a conclusão da história traz uma sensação estranha, como se a produção estivesse se segurando para não fazer aquilo que ela aparenta querer fazer, especialmente em relação a Ash/Latias. Se é a última vez que iremos ver o menino Ketchum como protagonista, por que não cruzar a linha do fanservice e dar logo um Pokémon Lendário para o treinador, especialmente quando, na mesma temporada, treinadores como Gary, Tokio e o próprio Goh já capturaram lendários e míticos anteriormente? 

O significado por trás do mestre

Embora várias referências ao título de Mestre existem dentro dos jogos, especialmente os das primeiras gerações, nunca tivemos uma real noção do que é ser um Mestre dentro do anime. Na verdade, segundo rumores, nem os próprios supervisores do anime sabiam responder isso de maneira concreta, se referindo ao título de Mestre como se fosse um simples sonho de criança, algo que servia como motivação para que o Ash continuasse viajando e se aventurando eternamente. 

Ainda assim, algum dia, a produção teria que dar uma resposta mais direta, vindo da própria boca do Ash, para a audiência. Acabou que ela veio no último capítulo do treinador como protagonista. E nada mais justo do que Gary Carvalho ser aquele a questionar o Ash sobre seu sonho. E, então... uma resposta veio. 


Para Ash, ser um Mestre Pokémon se trata de conhecer, compreender, formar e estreitar laços com todos os Pokémon que existem. E isso não significa, necessariamente, capturar mais monstrinhos. E o Campeonato Mundial foi só mais uma etapa nisso porque nunca foi a respeito dos títulos, tanto é que ele ainda se vê como um desafiante. 

Ao mesmo tempo que essa resposta consegue ser genérica e vaga, como se feita de última hora e que reforça a ideia de um "sonho impossível" ao invés de algo concreto, o que pode ser uma decepção para alguns, ela consegue fazer sentido dentro da visão de como a produção vê o Ash e como ele foi construído até aqui

Eternamente com 10 anos. Eternamente viajando. Eternamente em um ciclo de encontros, reencontros e despedidas com pessoas, amigos e Pokémon. Eternamente treinando, batalhando e cuidando de si e dos outros. Ocasionalmente salvando o mundo. Ocasionalmente morrendo (ou em situações de quase morte) para proteger alguém com quem se importa. Ainda que batalhas sejam onde o Ash mais brilha, batalhas ainda são um dos caminhos para criar laços. Acaba que esse é a palavra-chave do personagem. A palavra-chave da franquia como um todo, na verdade.

De coração aberto

"Posso não vê-lo sempre, talvez passe bastante tempo longe, mas há um contato, ainda que tímido, constante, e quando nos reencontramos, não há estranhamento ou constrangimento, e sim uma familiaridade tão íntima que não se pode descrever ou replicar que não organicamente." 
Carlos Dalla Corte, Pokémothim

Os episódios aleatórios que eu assistia na Globo e na RedeTV e os filmes que passavam na SBT e no Cartoon Network quando criança e pré-adolescente, a vez em que assisti Eu Escolho Você junto com meu primo mais novo, os episódios de Sol e Lua que assistia na van a caminho de casa/faculdade, o primeiro título de Campeão, a despedida do elenco de Alola, toda a saga Jornadas no início da minha vida adulta...

Com tantas lembranças que eu tenho de Ash e Pikachu em minha vida, eles meio que se tornaram uma constante. A sensação que eu nutri em meu subconsciente foi a de que, independente do momento em que estivesse em minha vida, ou do tempo que eu passasse longe da franquia, era quase certo que essa dupla ainda estaria lá para me receber de braços abertos.

A ideia de um anime sem o menino da cidade de Pallet e seu rato elétrico como protagonistas nunca passou pela minha cabeça. Por muito tempo eu não conseguia ver o anime sem o Ash. E eu pensava a mesma coisa a respeito de Grey's Anatomy continuar sem Meredith Grey. E adivinha só? Em menos de um ano, Ash e Meredith deixaram suas respectivas produções, que já estão seguindo em frente. 

Se alguém me dissesse isso 3 anos atrás, eu estaria rindo e argumentando com a pessoa sobre a impossibilidade disso acontecer. De certa forma, ainda bem que isso aconteceu. Já estava mesmo na hora de seguir em frente.

Ele está de partida


Os quase 26 anos de aventuras até aqui foram um mar de rosas? Claro que não. É tão fácil pontuar vários plots desperdiçados, mal executados ou mal finalizados, ideias que não se provaram tão boas assim na prática, decisões duvidosas de um roteiro que, várias vezes parecia insistir em não ouvir os fãs...

Esse próprio final é um exemplo disso. Com tanto potencial e tantas possibilidades que não foram devidamente explorados pela produção, fica a certeza de que esta despedida está muito aquém do que um personagem com quase 26 anos de história, assim como os fãs que, em algum momentos de suas vidas, acompanharam as aventuras do eterno menino de 10 anos, deveria receber. 

Gostando ou não, ainda assim, é uma despedida. Em 2023, Ash Ketchum saiu para uma nova jornada com seu eterno parceiro Pikachu e a equipe Rocket atrás deles. Só que, para essa viagem, eles vão sozinhos, pois não estaremos lá para acompanhar. Ainda temos mais de 1200 episódios para assistir quando bem quisermos e matar a saudade do grupo, mas fica aquela sensação de que não é a mesma coisa.


Essa despedida é temporária? Nunca se sabe, até porque sempre existirá a chance da Pokémon Company produzir um novo filme estrelado pelo treinador. Isso afeta a falta que essa dupla irá fazer? De maneira alguma. Levou um tempo, mas eu já aceitei a melhor a saída do Ash. Não diminuiu a falta que ele ainda faz, nem a "sombra" que seu protagonismo deixou e ainda deixa na produção, mas foi para melhor.

Isso diminui meu entusiasmo pela nova temporada? Certamente não. Só sei que estou cuidadosamente animado com o que já foi exibido e com o que vem por aí em Pokémon Horizontes. E espero que a recepção, especialmente por parte do público japonês, que ainda pesa muito mais do que o resto do mundo, por motivos óbvios, esteja sendo bastante positiva. 

Mas, por agora, é isso. Obrigado pelas memórias, Ash Ketchum, nosso Campeão Mundial! 
Espero vê-lo novamente algum dia. Tenha uma boa jornada.
Cuide bem do Pikachu e de todos os outros.


Escreve para o GeekBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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