Memórias de um Caracol, animação australiana que estreia nos cinemas no dia 5 de junho, é uma daquelas obras raras que desafiam qualquer ideia pré-concebida sobre o que se espera de um filme animado. Com estética que remete aos anos 90 e uma narrativa delicada, a produção entrega uma experiência madura, profunda e surpreendentemente comovente.
Com sua técnica em stop motion artesanal, a animação não esconde as marcas do tempo e do toque humano. Muito pelo contrário: cada movimento e textura parecem celebrar a imperfeição como parte do encanto. As personagens têm feições quase esculpidas à mão, os cenários possuem um ar retrô, e a trilha sonora pontua com suavidade as emoções profundas que atravessam a narrativa. É um filme que parece ter saído diretamente dos anos 90, não apenas por sua estética, mas pela maneira como valoriza o silêncio, a lentidão e o tempo das coisas — algo cada vez mais raro no cinema contemporâneo.
A protagonista, Grace Pudel, é uma garota introspectiva, amante dos livros e colecionadora de caracóis ornamentais. Logo nos primeiros minutos somos apresentados ao trauma que irá moldar toda sua trajetória: a separação precoce do irmão gêmeo, Gilbert, um pirofagista impulsivo com quem Grace tinha um laço inquebrável.
A partir desse rompimento, a menina mergulha em um turbilhão de ansiedade, solidão e desajuste. O roteiro, no entanto, jamais explora esse sofrimento de forma gratuita ou sensacionalista. Pelo contrário: há uma delicadeza quase poética no modo como Elliot retrata a dor e os pequenos gestos de resistência ao vazio.
É nesse contexto que surge Pinky, uma idosa excêntrica, cheia de personalidade e frases afiadas, que oferece à jovem uma nova perspectiva de vida. A relação entre as duas não é apenas o motor da trama; é o que torna Memórias de um Caracol tão tocante. Pinky representa a possibilidade do recomeço, mesmo para aqueles que acham que já perderam tudo. E é nesse entrelaçar de gerações que o filme encontra sua maior força: mostrar que, mesmo marcados por experiências duras, ainda podemos encontrar beleza no inesperado.
Apesar de ser classificado para maiores de 14 anos, Memórias de um Caracol é claramente uma animação voltada ao público adulto. Não apenas pelos temas que aborda — luto, abandono, transtornos mentais, envelhecimento, marginalização —, mas pela forma sutil e complexa com que os desenvolve. O espectador adulto se verá refletido nas fragilidades e escolhas de Grace, nas ironias de Pinky e até mesmo nas ausências que o filme carrega com tanta dignidade.
O longa já acumula mais de 70 prêmios internacionais, incluindo Melhor Direção na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e Melhor Filme no prestigiado Festival de Annecy, além de estar cotado para o Oscar de Melhor Animação 2025. E não é por acaso. Adam Elliot já havia conquistado o público e a crítica com Mary e Max: Uma Amizade Diferente, e aqui retoma sua assinatura autoral com ainda mais maturidade.
A exibição nos cinemas será exclusivamente legendada, o que preserva a potência das vozes originais de Jacki Weaver, Sarah Snook, Charlotte Belsey, Agnes Davison e Mason Litsos. A dublagem não faria jus às nuances emocionais e ao tom intimista das atuações vocais, que são parte essencial da experiência sensorial do filme.
Outro ponto que merece destaque é a acessibilidade: Memórias de um Caracol contará com recursos acessíveis pelo aplicativo Pingplay, garantindo que mais pessoas possam vivenciar essa história única.
Distribuído pela Mares Filmes, o longa estreia em 50 salas de cinema espalhadas por cidades de todas as regiões do Brasil — de São Paulo a Manaus, passando por Salvador, Recife, Porto Alegre, Fortaleza e muitas outras.
No fim das contas, Memórias de um Caracol é sobre cicatrizes — as que herdamos, as que nos causam e as que, um dia, aprendemos a acolher. É uma obra que provoca, comove e transforma. Um verdadeiro “soco no estômago” que, em seguida, te envolve num abraço apertado.
Não é apenas uma animação. É cinema com alma.
Ficha Técnica
Título no Brasil: Memórias de um Caracol
Distribuição no Brasil: Mares Filmes
Estreia nos cinemas brasileiros: 05 de junho de 2025
Direção: Adam Elliot
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 99 minutos
País: Austrália
Elenco de vozes (original): Jacki Weaver, Sarah Snook, Charlotte Belsey, Agnes Davison, Mason Litsos
