Artigo: A vida e a história de Madam C. J. Walker - e a nossa relação equivocada com a beleza

Há séculos a mulheres negras envenenam seus organismos utilizam produtos cosméticos para sustentar padrões de beleza que não as representam















Enquanto assistia a série da Netflix A vida e a história de Madam C. J. Walker uma coisa me incomodava bastante, era a relação das mulheres com seu cabelo. Principalmente depois que a rival de Walker disse que ela não poderia ser uma vendedora, já que não tinha o visual certo. Mais de 100 anos se passaram e o discurso de Addie, personagem muito mal representada na minissérie, ainda é atual. Afinal, negras de pele clara acessam mais oportunidades que as mais retintas. Entretanto, não é sobre isso que quero falar. 

Para convencer as mulheres sobre a importância de ter um produto para arrumar seus cabelos, C.J. Walker anunciava que a aparência permitia que as mulheres tivessem mais oportunidades na vida. Com isso convenceu muitas mulheres a comprar seus produtos com a promessa de uma vida melhor. No caso de Walker as oportunidades não ficaram só na promessa, uma vez que através de seus produtos permitiu que mulheres negras conquistassem uma renda mais digna e mudou várias vidas no processo. 

Aliás, sua vida mudou quando começou a desenvolver sua própria linha de cosméticos para cabelos afros. Ainda que hoje seus métodos se assemelhem a objetos de tortura, sua contribuição é inegável. Contudo, suas experiências capilares cobraram um preço de Madame. 

Apesar de todo sucesso alcançado por seus produtos, C.J. Walker não desfrutou muito do êxito conquistado, já que morreu cedo. Finalmente chegamos ao que me trouxe a este texto, a falência renal de Walker. 


Quando tive conhecimento do que causou a morte de Walker uma ideia tomou conta de minha mente por dias, teriam os produtos cosméticos causado o problema renal. Até que me lembrei de uma amiga que é química e fui a caça da resposta para esta minha indagação. Claro que fiquei me sentindo uma verdadeira PhD em assuntos capilares quando minha amiga falou dos diversos problemas de saúde causados pelos produtos que usamos no cabelo. No entanto, a felicidade foi breve, dado que como qualquer mulher negra da minha geração já fiz de tudo no meu cabelo, do henê, passando pela amônia, até chegar a progressiva carregada de formol dos dias atuais. Qualquer coisa que deixasse o meu cabelo liso era usada em meus cabelos. Até que cansada e graças a tendinite adquirida com os anos, decidi que minha saúde era mais importante que a beleza e aderi ao cabelo natural.

Como os produtos de beleza destroem a nossa saúde

“Produtos cosméticos usados no cabelo podem causar diversos problemas de saúde, inclusive Alzheimer. Por exemplo, a tintura usada em cabelos pode provocar uma contaminação exógena (de dentro para fora). Enfim, tudo que contém química é rapidamente absorvida pela pele e couro cabeludo, e vai direto para a corrente sanguínea.

Sempre alertei as pessoas, mas ninguém me escuta. Se as pessoas entendessem quanto o formol é prejudicial à saúde, por exemplo, o endurecimento do pulmão é um efeito colateral dessa substância”. Daniela Nanni, química, revisora de livros didáticos e aquela que esfregou a realidade na minha face.


Depois de dormir na pia e processar as informações que recebi, percebi que o cabelo natural não é só uma questão estética, de identidade, aceitação e cultural. É uma questão de saúde mesmo. Até quando vamos continuar envenenando o nosso organismo para manter uma estética que não é nossa. Atendendo padrões de beleza que há séculos nos fazem sentir inferior e inadequada. Dito isso precisamos entender que cabelo natural não é moda, mas um grito de liberdade.

O que podemos aprender com histórias como a de C. J Walker? Uma mulher incrível que subiu e levou outras mulheres com ela. Que permitiu que mulheres negras tivessem uma renda digna e melhorassem a vida de sua família.

Muito além da determinação, acredito que a principal lição que Madame Walker deixou é não esperar pela ajuda de quem não se importa. É preciso criar nossas próprias oportunidades, além disso, quando chegar lá tente levar mais gente com você. Pois, somente essa corrente é capaz de mudar as nossas narrativas quanto povo negro.


Kika Ernane, Karina no RG, e sou multitasking (agora que aprendi o significado do termo segura). Uma mulher como muitas da minha geração, que ainda não descobriram como aproveitar a liberdade que lutaram tanto para conseguir. Muito menos administrar todas as tecnologias disponíveis. Enfim, estou sempre aprendendo.


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