Livros

Resenha: As Mães

Um livro sobre como segredos, uma vez plantados, podem se enraizar e abalar as estruturas de uma comunidade inteira


Esta é a história de Nadia, uma garota que se apaixonou. Também é a história de Luke, que deixou seu amor para trás. E, por fim, é a história de Aubrey, que entrou na vida dessas duas pessoas sem saber que, muito antes, elas pertenceram uma à outra.


Sinopse:

Tudo começa com um segredo. As ramificações que se seguem vão acompanhar três personagens desde o fim da adolescência até o início da vida adulta, exercendo um impacto capaz de influenciar suas trajetórias por muito tempo depois de seus anos de juventude. Em uma comunidade negra e cristã no sul da Califórnia, Nadia Turner, uma garota bonita, obstinada e ainda marcada pelo recente suicídio da mãe, será a primeira da família a cursar uma universidade, mas, antes de deixar sua cidade natal, ela se envolve com o filho do pastor da igreja, Luke Sheppard. Aos vinte e um anos, Luke é um ex-atleta que trabalha como garçom depois que uma grave lesão o afastou dos campos. Os dois são jovens e não oficializam o relacionamento, mas o segredo que resulta desse romance terá consequências maiores do que eles imaginam.
Anos depois, eles ainda vivem à sombra das escolhas da juventude e da insistente dúvida: e se tivessem feito diferente? As possibilidades do caminho não tomado se tornam uma sombra implacável.
Romance de estreia de Brit Bennett, As Mães chamou atenção dos críticos antes mesmo de ser lançado nos Estados Unidos. Com um estilo sofisticado e atual, a autora demonstra uma ampla compreensão da alma humana e de como as traições e perdas podem moldar comunidades inteiras. Uma obra necessária, que questiona até que ponto devemos servidão às decisões da juventude e às comunidades que nos criaram.

Em uma comunidade negra e cristã do sul da Califórnia, as senhoras da igreja Upper Room se autodenominam as Mães. Detentoras de todo o conhecimento por serem mais velhas e mais sábias, elas também estavam, o tempo todo, a par de tudo o que acontecia na cidade em que moravam, ou pelo menos era isso o que achavam. 

Mas, como todo ser humano, as Mães não tinham de fato onisciência e, sem querer, deixaram algumas coisas passar. Como, por exemplo, sinais de que a sra. Turner se suicidaria logo depois de sair da igreja em uma manhã. E que, meses depois, sua filha, Nadia, encerraria a gravidez que tinha gerado com Luke, o filho do pastor.

Após o aborto, Nadia e Luke se separam sem trocar uma palavra a respeito do assunto. Ela se força a seguir em frente, passa o verão antes da faculdade com Aubrey, sua mais nova melhor amiga, e depois se muda para o outro lado dos Estados Unidos. Ele, por sua vez, continua com sua vida mediana, que parece ficar cada vez pior, isso até conhecer Aubrey, com quem começa, aos poucos, a criar laços.

Com base nessa premissa, As Mães caminha através dos anos para os acontecimentos chave das vidas de Nadia, Luke e Aubrey e como isso influencia os membros da Upper Room, inclusive as próprias Mães. 

As mudanças temporais, assim como os diversos plot twists, são rápidos e podem chegar a incomodar os leitores que preferem explicações mais elaboradas para tudo. Por ter apenas 254 páginas, acredito que deixar as transições nada graduais tenha sido não somente para impactar o leitor a cada capítulo, mas também para não deixar o livro com o triplo de páginas; portanto, foi uma escolha acertada da autora.

“O peso do que foi perdido sempre é maior do que o peso do que fica.”

Diferente de muitos livros, este é escrito de forma que a própria narrativa dá margem para interpretar a história. Isso ocorre devido ao fato de ser, por vezes, contado pelo ponto de vista das Mães, já que todo início de capítulo elas dão seu parecer em relação ao que está sendo narrado; e por outras, por uma terceira pessoa que aparenta saber de tudo, mas costuma supor demais. 

Para mim, esse estilo de escrita também foi muito interessante por parte de Bennett, que nos apresenta a visão recatada de senhoras da igreja quando quer, e, quando não, conta tudo de maneira completamente imparcial – mesmo não sendo.

O único motivo que me impediu de favoritar As Mães, portanto, foi o final. Se a história toda é muito intrigante, a última página é o total oposto disso, tanto que nem a escrita floreada e impactante da autora salva. 

Não é ruim, longe disso, porém, em comparação ao restante do livro, a queda é um pouco brusca. Todas as relações existentes na comunidade e as infinitas viradas que dão um susto no leitor não parecem chegar a lugar algum. Por mim, tudo bem se o objetivo é escrever uma história no estilo slice of life, ou seja, acontecimentos cotidianos, apenas eles por eles; contudo, ao longo da leitura, esse não parecia ser o objetivo de Brit Bennett.

Apesar disso, o romance de estreia da autora, publicado no Brasil pela editora Intrínseca, continua sendo uma leitura muito válida e recomendada. Afinal, este é um livro sobre seres humanos bons e ruins, de tudo um pouco. Também é um livro sobre segredos, aborto, violência, suicídio, sexualidade, racismo, maternidade e religião. Mas, acima de tudo, este é um livro sobre arrependimentos – de nossas próprias vidas e do que poderíamos ter feito de diferente para mudar a vida das pessoas ao nosso redor.


Sendo assim, As Mães fala sobre um milhão de assuntos diferentes da forma mais natural possível, e mesmo sendo salpicado por perspectivas de senhoras fofoqueiras da igreja, não tenta dar vereditos a respeito do que é certo ou errado. 

A vida não é preto no branco, oito ou oitenta, e às vezes nos sentimos tão perdidos que parece que temos apenas uma opção. Somente anos depois, percebemos que podíamos ter feito um bilhão de escolhas diferentes, mas na vida não tem como voltar atrás. 

Aqui, Brit Bennett relata sentimentos reais de pessoas fictícias, mas que possuem tantas qualidades e defeitos que parecem exatamente como nós. A arte de retratar a realidade deve ser apreciada, e neste livro ela foi feita de uma das melhores formas que eu poderia imaginar.

Em relação à edição física, o trabalho da Intrínseca foi, como sempre, digno de exaltação. A impressão foi feita em papel pólen soft 80 g/m² – ou seja, um papel amarelado, de textura suave e grossura considerável –, a fonte escolhida foi a Adobe Caslon Pro, muito agradável à vista, e a mancha da página, embora um pouco grande, não chega nem perto de atrapalhar a leitura, muito pelo contrário: toda a diagramação, para além da ótima tradução de Carolina Carvalho, fez com que ler o livro se tornasse fácil e prazeroso. 

Por fim, mas não menos importante, a capa, que eu particularmente acho linda, foi impressa em papel cartão supremo alta alvura 250 g/m², uma brochura normal, molinha, que não amassa quando abrimos o livro e, ainda por cima, tem um toque macio, mas não daqueles que deixam marca de dedo na capa. A edição saiu muito caprichada, e acredito que valha a pena ter na estante caso você se interesse pelo tipo de narrativa.

Ficha Técnica

Título: As Mães
Título original: The Mothers
Autor: Brit Bennett
Tradução: Carolina Carvalho
Editora: Intrínseca
Edição: 1ª ed., 2017

Estudante de Letras – Português-Inglês na UFMG, mas mora em São Paulo. Amante de arte independente, mas vê tudo o que é mainstream. Assiste a filmes, séries e animes, mas também lê livros e ouve música o dia todo. Diz que quer ser escritora, mas nunca escreveu uma palavra na vida... Quer dizer, só algumas.


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