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Resenha: Laura Dean vive terminando comigo

Vencedor de três categorias do prêmio Eisner 2020, quadrinho fala sobre relacionamentos tóxicos na adolescência a partir de uma perspectiva LGBTQ+


Aclamado pela crítica, Laura Dean vive terminando comigo chegou ao Brasil no final de 2020 pela editora Intrínseca. O quadrinho de Mariko Tamaki e Rosemary Valero-O’Connel traz muito mais do que traços bonitos em preto, branco, cinza e rosa; ele aborda de uma forma natural a questão do relacionamento tóxico, até mesmo abusivo, na adolescência.


Sinopse:

Faz quase um ano que Freddy está apaixonada por uma menina chamada Laura Dean.
Mas ela não imaginava que um namoro poderia ser tão complicado…
Freddy Riley só quer que Laura Dean pare de terminar com ela. O dia em que começaram a namorar foi o melhor de sua vida, mas agora parece apenas uma lembrança distante. Laura Dean é popular, engraçada e MUITO LINDA… mas também pode ser insensível e bem cruel. O relacionamento cheio de idas e vindas deixa Freddy desnorteada, e seus amigos não entendem por que ela sempre aceita reatar. A situação se mostra cada vez mais insustentável: o coração de Freddy está se despedaçando em câmera lenta, e ela corre o risco de perder a melhor amiga junto com o que resta de sua autoestima. Mas, quando Freddy se consulta com uma misteriosa vidente, recebe um conselho capaz de mudar essa história para sempre.
As premiadas Mariko Tamaki e Rosemary Valero-O’Connell dão vida a uma narrativa delicada e pungente sobre o amor na adolescência, nos convidando a imaginar o que acontece quando deixamos para trás os relacionamentos tóxicos e abrimos espaço para relações que nos fortalecem. Laura Dean vive terminando comigo venceu três Eisner Awards, maior prêmio do universo dos quadrinhos, nas categorias Melhor Roteirista, Melhor Artista e Melhor Publicação Para Adolescentes.

Freddy é uma garota de dezessete anos e está perdidamente apaixonada por Laura Dean. Tudo poderia ser lindo, isto é, se Laura Dean não terminasse com ela constantemente. 

Através dos olhos de Freddy, vemos como se dão as facetas desse amor entre as duas. Elas formam o típico casal inconstante, mas isso só acontece por causa de Laura Dean. Se fosse por Freddy, elas ficariam juntas, mas sua namorada é indecisa, instável, fugaz, e vive como se relacionamentos fossem efêmeros e ainda assim durassem para sempre.

Por Freddy ter dado seu coração, Laura Dean a faz de gato e sapato até a garota ficar cansada de ser apenas um brinquedo velho – você não quer brincar com ele, mas quer sempre tê-lo por perto, porque é cômodo; e se não tiver mais nenhum brinquedo novo, por apego, você volta para ele. 

Então, para tentar lidar com essa situação, Freddy escreve para Anna Vice, uma mulher que dá conselhos amorosos em sua coluna online, e, enquanto espera uma resposta, tenta seguir com sua vida. Isso não seria difícil se, nesse trajeto, ela não estivesse se afastando das pessoas que realmente importam.


Sei que não é certo julgar um livro pela capa, mas desde que vi a capa de Laura Dean vive terminando comigo, fiquei apaixonada. O ditado existe porque, algumas vezes, capas bonitas trazem histórias ruins, mas não é o caso desse livro. Por incrível que pareça, o conteúdo do quadrinho de Tamaki e Valero-O’Connel consegue ser superior a sua beleza e traz uma carga emocional forte e densa em relação ao sofrimento por amor.

O relacionamento das garotas é tão intenso quanto recente, e é possível perceber como todas as coisas que a perfeita, popular e majestosa Laura Dean faz, impactam Freddy, a única que parece estar, de fato, apaixonada. Isso porque ela não só vem e vai embora, mas fica com outras pessoas até mesmo na frente de Freddy, sem se importar, depois pede desculpas como se simples palavras resolvessem tudo, ou pior, age como se Freddy fosse a controladora, não respeitasse sua liberdade ou inventasse todas essas coisas, fazendo drama por nada.

Além disso, ainda é capaz de fazer chantagens emocionais quando Freddy não dança conforme a sua música. Ou seja, a verdadeira personificação do estereótipo do “homem lixo”, só que sendo uma mulher.

“Eu nunca mais vou pensar ou falar nela. Sério. Só que... Ela está por toda parte. Até na minha mente.”

Talvez o fato de Laura Dean ser bissexual incomode algumas pessoas por parecer replicar o discurso de que se uma pessoa é bi, de certo ela fica com todo mundo, mas não acho que aqui isso se faça verdade. Laura Dean é, sim, bissexual, contudo o que a faz trair Freddy e ficar flutuando entre estar ou não nesse relacionamento não é sua sexualidade, e sim seu caráter, e isso fica muito claro ao longo da história.

Além da carga emocional ser muito bem administrada, outro ponto positivo do livro é a representatividade, porque encontramos uma grande diversidade racial e sexual, não com discursos de raça ou sobre direitos homossexuais, mas de forma naturalizada. Afinal, nem toda história sobre diferentes raças precisa abordar o racismo, e nem toda narrativa LGBTQ+ precisa se tratar de homo/transfobia diretamente. Para mim, essa é a parte legal: ler um romance sáfico com personagens diversos que fala sobre se reerguer após passar por abusos psicológicos, e é isso. Fim. Histórias sobre a luta das minorias são importantes para que narrativas como a de Laura Dean vive terminando comigo existam, e isso me alegra.


No mais, os traços das personagens são impecáveis e a escrita é de fazer partir o coração. Tamaki e Valero-O’Connel sabem como construir uma narrativa forte e emocionante, fazendo transbordar sentimentos a partir dos desenhos, das palavras e das situações abordadas num geral. Esse é um livro sobre amor, mas, principalmente, é um livro sobre se encontrar e aprender a valorizar o que realmente importa. O crescimento de Freddy é lindo e, como toda mudança, triste, mas transformadora, e acompanhar esse processo é uma montanha-russa de emoções.

A edição da Intrínseca, como sempre, não decepcionou. O papel escolhido para o miolo foi o chambril book 75g/m², branco, macio, mas não muito grosso – de qualquer forma, nada que atrapalhe a leitura. Tirando a gramatura do papel, que poderia ser um pouquinho mais grossa, não há nada que eu acho que poderia melhorar.

A tradução de Rayssa Galvão ficou ótima e combinou muito bem com a história. Nenhuma personagem soou diferente de sua personalidade, e as frases foram traduzidas de modo que carregassem o impacto necessário de cada cena.

“Seja poligâmico ou monogâmico, o amor deve nos trazer coisas boas. Pode haver entrega num relacionamento, é verdade. Mas, ao contrário do que se pensa, o amor nunca deve tirar nada de nós, Freddy.”

Em suma, Laura Dean vive terminando comigo é um quadrinho fantástico. Por mais que a história se passe com uma adolescente lésbica, os temas aqui retratados são universais, capaz de fazer com que todos nos identifiquemos. No fim do dia, amor realmente é amor, e as suas complicações aparecem pelo menos uma vez na vida de qualquer pessoa. Por isso, nem todas as palavras do mundo seriam o suficiente para descrever o quanto eu amo e recomendo esse livro, porque ele é, de fato, uma das melhores coisas que eu já li na vida.

Ficha Técnica


Título: Laura Dean vive terminando comigo
Título original: Laura Dean keeps breaking up with me
Autor: Mariko Tamaki, Rosemary Valero-O’Connel
Tradução: Rayssa Galvão
Editora: Intrínseca
Edição: 1ª ed., 2020

Estudante de Letras – Português-Inglês na UFMG, mas mora em São Paulo. Amante de arte independente, mas vê tudo o que é mainstream. Assiste a filmes, séries e animes, mas também lê livros e ouve música o dia todo. Diz que quer ser escritora, mas nunca escreveu uma palavra na vida... Quer dizer, só algumas.


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